"It seems that there's no difference between criticism and advice. It all depends on how the other person takes it. That´s why I'm responsible for the words that come out of my mouth" - Cheese in the Trap
Embora à primeira vista o webtoon “Cheese in the Trap” possa parecer apenas mais uma narrativa de amor cliché, a história revela ser uma representação meticulosa da complexidade do ser humano. Assim, é retratada a vida de Hong Seol e o seu percurso na faculdade numa tentativa de alcançar a excelência académica, onde conhece o aparentemente perfeito, Yoo Jung.
Primeiramente, o webtoon difere de muitos outros relatos
ficcionais sobre a vida estudantil e as expectativas inerentes que, muitas
vezes, acabam por se revelar um falhanço. Nesta história não é suavizada a
vivência do estudante, sendo esta descrita como desafiante, atribulada e, igualmente, dececionante.
Contudo, a autora alarga esta descrição realista também às personagens que constrói ao longo de 300
capítulos. Começando pela protagonista, Seol é imediatamente introduzida
enquanto extremamente trabalhadora, independente e, para surpresa do leitor,
cética. Assim, deparamo-nos com uma heroína diferente do estereótipo feminino.
Esta rapariga vê para além das aparências, duvida e, mesmo seguindo
contracorrente, mantém-se íntegra e leal às suas convicções. Sendo uma
personagem com que o leitor facilmente se identifica, a protagonista representa,
da mesma forma, um ideal, enquanto símbolo de perseverança e, principalmente,
humanidade.
De seguida, é apresentado Jung, alguém com quem não é tão fácil
simpatizar, manifestando traços e ações indicadores de psicopatia. Quer seja
pela sua personalidade manipuladora, pela sua constante insensibilidade em relação
a outros ou pelo défice de culpa sentida, estamos perante alguém que, sem
dúvida, se desvia dos padrões de parceiro romântico “ideal”. Face a esta
personagem, torna-se difícil continuar a história sem transformá-la na narrativa
típica em que a rapariga muda o rapaz com o seu amor. No entanto, a autora
revela mestria ao ser capaz de, no decorrer da narrativa, expor os pensamentos
de Jung, enquanto janela de introspeção da personagem, permitindo, assim, uma
melhor compreensão do mesmo e do seu desenvolvimento enquanto uma pessoa e não
um ser unidimensional. Apesar de no fim exibir certas características e
comportamentos que o diferenciam da ideia inicial que transmitia, o personagem
não muda, apenas cresce, no sentido em que mantém a sua essência, mas
encontra-se influenciado pela presença de Seol e o caminho que percorreram
juntos.
Além destes personagens anteriormente referidos, o webtoon apresenta
ainda mais dois cujas personalidades e vivências fogem da
normalidade do mundo da ficção e correspondem, ao mesmo tempo, a figuras da
realidade. A autora cria, então, dois gémeos, Inha e Inho, representantes da
ganância e parasitismo humanos e do insucesso. Inha, caracterizada como cruel e mal-intencionada,
e Inho, fracassado no alcance de um sonho, são ambos aterrorizados por demónios
do passado, que os impossibilitam de seguir em frente. Além de serem retrato do
que a sociedade perceciona como imperfeito, as personagens provocam no leitor
uma compreensão inesperada da sua condição. Mais uma vez, produzem-se seres
humanos e não modelos ficcionais sem defeitos.
Deve-se ter também em conta a barreira que esta história
coreana permitiu quebrar, despertando não só a curiosidade nos leitores
estrangeiros pela cultura do país, como a consciência de que as sociedades e as
expectativas e obstáculos intrínsecos às mesmas apresentam várias semelhanças.
“Cheese in the Trap” faz-nos rir e chorar, sonhar e refletir
sobre a realidade, até descomprimir e ficar frustrado. É uma montanha russa de
emoções, conferindo uma espontaneidade auxiliar na exploração da complexidade
do enredo. A transição entre passado e presente proporciona um entendimento de
cada personagem e da sua evolução individualmente e a par da protagonista. Até
no seu título o webtoon concretiza a ideia de multidimensão do ser humano, o
queijo representa a tentação, a verdade aparente, mas Seol decide olhar para
além disso, não “caindo” na armadilha. Contudo, o mesmo não acontece ao leitor,
que se deixa completamente apanhar pela armadilha deste mundo de ficção.
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